Discurso de Carlos Morais em Güimil na homenagem a Benito Valencia Bouza
Estamos aqui, no que foi umha bela aldeia da terra do milho, no sul da Gallaecia central, à beira das águas do rio que nos nutre e entrelaça, basicamente por duas razons.
Pola firme determinaçom do Comité pola Memória Histórica do Val do Límia em recuperar e reinstaurar a memória coletiva que o fascismo tentou ocultar durante 40 anos, e que segue sendo incómoda para o atual regime postfranquista.
Mas estamos concretamente aqui, em Güimil, nas férteis veigas orientais do Val do Límia, pola perseverança, polo exemplo de dignidade e coragem da família de Benito Valencia Bouza. Porque a diferença de muitos outros familiares das vítimas do fascismo, pouco proclives e mesmo reticentes a reparar a verdade, dignidade e a memória dos seus-, a recuperar a Verdade com maiúsculas, Manuel, Pili e José Benito, tenhem brindado umha entusiasmada colaboraçom para promover, organizar e participar ativamente nesta homenagem ao seu venerado avó. Eles três som um exemplo a seguir!
Estamos aqui para honrar, para dignificar, para reivindicar, umha das ferramentas de auto-organizaçom campesinha mais elaboradas e importantes da nossa comarca naquela primavera vermelha de 1936.
Sim, companheiras e companheiros, amigas e amigos, o Sindicato Campesino de Souto, nasceu aqui, entre as casas de Constantino Fernández Martínez “o catalám” e Benito Valencia Bouza. Amigos e vizinhos porta com porta, estes gigantes imortais fôrom os dous mais destacados dirigentes do Sindicato Campesino de Souto. Som semente, som sustrato do futuro emancipador que mais cedo que tarde há de vir!
Ambos fam parte do alba de glória do Val do Límia, ambos devem estar situados na centralidade do frontispício do altar laico das grandes figuras da nossa particular história, desta tam formosa como maltratada naçom querquenna
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O Constantino logrou safar da condena a morte do sicariato falangista encabeçado por um dos maiores criminais fascistas que malparírom estas terras, alcumado Fragueira.
Nom mui longe de aqui, entre Ponte Linhares e Güim, numha noite do funestro verao de 1936, após ter logrado evitar previamente várias tentativas de captura, estando algemado voltou a safar-se, logo de golpear os criminais e fugir a rolos polo monte, cruzar o Límia polas poldras da Retorta e caminhar toda a noite até atingir o Barroso.
Benito Valencia Bouza nom tivo tanta sorte. Quando tentava cruzar a Portugal polas terras da nossa desaparecida vizinha república do Couto Misto, foi capturado polos falangistas de Ginzo de Límia naquele fatídico 29 de julho. Após ter estado “detido” na pensom da Anuncia, o que quer dizer maltrato, vexaçom e tortura polas bestas falangistas, que diversas fontes identificam como Manuel Ogea Campos, alias “Mica” e Celso Pérez, popularmente conhecido como “Celso do crime”, foi covardemente assassinado na ponte do Boado, a pouco mais de um quilómetro do centro de Ginzo, nas proximidades de Porto Alto.
Desde hoje pola manhá esse infame e sinistro lugar converteu-se num lugar da memória antifascista, após termos reparado coletivamente a dívida contraída com Benito Valencia Bouza, inaugurando um monumento na sua memória, da autoria do mestre canteiro Diego Currás, “O Rixón”.
Mas nom foi o única vítima mortal do terrorismo fascista que fazia parte da direçom do Sindicato. José Álvarez Fernández, primeiro “Revisador de contas” foi executado nas touças de Sam Pedro de Moinhos 14 de setembro de 1936.
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O Sindicato Campesino de Souto nasceu ao calor das profundas transformaçons das mentalidades que agromavam no conjunto da Galiza durante o período republicano, incorporando-se ao fio vermelho da História. Caiam os véus, eram dobregadas as superstiçons impostas pola fidalguia, pola casta política caciquil e a hierarquia da igreja católica.
O mesmo povo trabalhador, que durante séculos tinha padecido silenciosamente os abusos dos senhores feudais, que tinha sido manipulado para legitimar os fraudulentos processos eleitorais da segunda restauraçom bourbónica, que tinha sido movimentado como carne de canhom para as guerras coloniais do Rif, que tinha sido utilizado como simples massa de manobra de transaçons polítiqueiras polo agrarismo interclassista, decidiu tomar as rédeas do seu destino.
Foi a geraçom de Constantino Fernández Martínez, de Manuel García Rodríguez, de Benito Valencia Bouza, de Antonio Calviño Vila, de Julio Vázquez, de Raimundo Rodríguez, de José Álvarez Fernández, de Antonio González, entre muitos outros, quem influídos e armados polos ventos escarlata do bolchevismo ourensám capitaneado polo legendário Benigno Álvarez, quem sem pedir permisso nem autorizaçom ao cacique, cura e senhor postfeudal de turno, levantárom com as suas maos fendadas de terra lavrada, a gloriosa ferramenta defensiva que hoje aqui queremos solenemente homenagear.
Fôrom eles, vizinhos de Güimil, de Vilar de Cás, de Soutelo, de Farnadeiros, labregos na sua imensa maioria, mas também carpinteiros ou trabalhadores simbióticos e temporeiros nas obras públicas, quem após a vitória da aboliçom do foro que durante séculos impossibilitou que os que trabalhávam a terra de sol a sol sem ser proprietários da mesma, os que decidírom forjar um instrumento visado para emancipar-se e sentar as bases para construir essa nova vida e esse novo mundo que todo ser humano algumha vez sonhou.
Entendérom que a única forma de superar o atraso secular derivado das relaçons económicas semifeudais e do capitalismo dependente que lentamente se ia introduzindo por estas terras, mas também o rol asignado ao povo trabalhador e empobrecido, dependia de passar à iniciativa, de luitar de forma coletiva e organizada.
Chegara o momento de adotar todas as medidas pertinentes para nom seguir vivendo na miséria ou ter que marchar à emigraçom de além mar.
Nom era um malfado do nosso adn, era consequência da ignorância imposta polos de arriba, da atávica submissom e disciplina gravada a sangue e fogo nas mentalidades.
Chegara a hora de desobedecer, de rebelar-se, de defender os direitos básicos de umha vida digna, de umha alimentaçom, de umha educaçom, sanidade, direitos democráticos e laborais … e todo isto, nom podia ser resultado das concessons e dos “bons sentimentos” dos responsáveis da dominaçom e exploraçom.
Entendérom que a única forma de luitar contra o minifundismo e as cargas de origem feudal, contra os foros, subforos e laudémios, contra os impostos abafantes e todo tipo de medidas políticas lesivas, só podiam lograr-se mediante a auto-organizaçom e mobilizaçom popular.
E nesta tarefa épica nom estivérom sós. Foi a labor teimuda, persistente, sacrificada, dos homens e mulheres que configuravam o núcleo de titânio do comunismo ourensám da década de trinta, esse irrepetível Estado Maior revolucionário comandado polo veterinário de Maceda, quem contribuírom para fazer agromar, a fraguar nas paróquias de Farnadeiros e Santa Maria de Souto, umha geraçom de jovens luitadores forjados na causa do amor e da beleza neste nosso querido Val do Límia.
Sim, companheiros e companheiras, vizinhos e vizinhas do Val do Límia, digamos as cousas como som, sem eufemismos nem maquilhagens. O Constantino Fernández ou o Benito Valencia Bouza, faziam parte dessa excecional estirpe militante organizada no PCE que a converteu na melhor geraçom da nossa história contemporánea. A inexperiência da sua juventude era compensada pola sua coragem e vontade de conquistar o céu por assalto.
Só assim podemos compreender desde a distância de mais de oito décadas a explossom de sindicatos agrários e campesinhos no Val do Límia.
Sindicato Agrário de Cadós,
Sindicato Campesino de Calvos,
Sindicato Campesino de Carpazás,
Sindicato Campesino de Nigueiroá,
Sociedade de Campesinhos e Obreiros da Frente Popular de Esquerdas de Bande;
Sindicato Campesino de Grou,
Sindicato Campesino de Aceredo;
Sindicato de Ofícios Vários da Feira Velha,
Sociedade de Ofícios Vários de Entrimo;
Sindicato Campesino de Moinhos;
Sindicato Campesino de Lobeira,
Federados, articulados na sua imensa maioria, na Federaçom Provincial de Campesinhos de Ourense, fundada em abril de 1936, lográrom que se aplicassem parte das conquistas e direitos da legisalaçom republicana que as inércias do passado, os bloqueios e freos da reaçom, convertiam em papel molhado.
Mas também sabiam que era necessário, na complexidade da luita de classes, que o povo trabalhador ocupasse as instituiçons. Estas nom podiam estar hegemonizadas pola pequena-burguesia republicana, que só procurava reformas, e nom queria revoluçom. Eis polo que três dirigentes do Sindicato Campesino de Souto faziam parte da corporaçom municipal frentepopulista de Moinhos encabeçada polo Demetrio Seoane. Manuel García Rodríguez, Antonio Calviño Vila, e Benito Valencia Bouza, este último como tenente de alcaide da Gestora Municipal de Moinhos.
Nesta merecida homenagem nom podemos esquecer as mulheres que permitírom que os seus homens pudessem construir o Sindicato, essas mesmas mulheres que padecérom as consequências da brutal e sinistra repressom fascista, a dor e o sofrimento da longa noite de pedra que apagou a luz da emancipaçom e a alegria republicana.
Elas fôrom as heroinas que acompanhárom os seus maridos quando tentavam atingir o exílio, quem criárom os filhos orfos, quem sofrérom entre silêncios e incomprensons o drama familiar, quem padecérom durante décadas a intimidaçom, os abusos, os desprezos e a criminalizaçom do falangismo, da Guarda Civil, mas também dos que por oportunismo mudárom de bando. Fôrom elas quem honrárom entre medos, silêncios, mas sempre entre imenso amor custodiárom a sua memória. Por Digna Portela Penín, por Gumersinda Corral Sabugueiro, mulheres de Benito Valencia Bouza e Constantino Fernández Martínez, um imenso aplauso.
Hoje, na excecional situaçom que nos toca viver, condicionados polas restriçons e os temores provocados pola pandemia do Covid 19, seguimos tentando sufragar a dívida histórica que o Val do Límia tem contraído com a geraçom dos nosos avós e bisavós.
Negamo-nos a aceitar a desmemória que só procurava, e procura, que um manto de esquecimento agoche tanto crime, tanta crueldade e tanto roubo de bens e propriedades, mas também de coraçons e de almas.
Continuamos com a restituiçom da dignidade, aplicamos justiça, verdade e reparaçom, perante a insultante amnésia imposta polos vencedores do golpe de estado de 18 de julho de 1936.
Nom botamos ninguém em falta, mas sim novamente solicitamos às autoridades da corporaçom municipal do Concelho de Moinhos, um reconhecimento instititucional a Benito Valencia Bouza, tenente de alcaide em julho de 1936. A quem dedicou as suas melhores energias juvenis a paliar o atraso e o empobrecimento, a exercer a solidariedade, e contribuiu para melhorar as condiçons de vida e a auto-estima dos setores mais humildes e oprimidos.
Por méritos próprios e polo que representa, o seu nome deve ser cinzelado em letras douradas numha placa na fachada do Concelho, e a sua figura reconhecida, reabilitada, divulgada e honrada como imprescindível desagravo a tantas décadas de esquecimento imposto polo franquismo e polo postfranquismo. Nom pararemos até lográ-lo!
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Mas esta nova homenagem que hoje nos congrega, nom pode reduzir-se a um nostálgico ritual de lembrança.
Nós, nem esquecemos nem perdoamos, exigimos que se restaure a dignidade de todas as vítimas do holocausto planificado, do extermínio iniciado no verao de 1936, e que nom finalizou com a morte do ditador tal como o relato oficial nos quer fazer acreditar.
Tal como levamos meses contemplando, a ameaça fascista voltou a agromar com absoluta impunidade, sem complexos nem maquilhagens, apelando ao golpe de estado.
O auge da extrema-direita e do fascismo é umha realidade tangível na Europa e noutras partes do globo.
Alertamos pois, da necessidadade de nom contemplar passivamente os acontecimentos em curso. De combatermos sem trégua, com coragem, firmeza, unidade e determinaçom este vírus, este flagelo que nos volta a ameaçar!
Nom podemos resignar-nos, nem deixar-nos arrastar polo conformismo paralisante.
Nom permitamos, nom contribuamos para naturalizar e normalizar o novo fascismo, que é similar ao de sempre, tam só tingiu de verde o azulom joseantoniano. Nom o branqueemos! Nom toleremos a equidistância que o alimenta consciente ou inconscientemente!
Devemos denunciá-lo ativamente, nom conceder a mais mínima trégua a quem o subestima, trivializa, banaliza, ou permite atitudes e comportamentos populistas e demagógicos que justificam o novo agromar da besta! Temos que pará-lo e extirpá-lo!
Se nom somos capaces coletivamente de levantar um poderoso muro antifascista, a ameaça que nos derrotou em 1936 pode voltar a esmagar-nos, fazendo-nos retroceder novamente à obscuridade.
O Comité pola Memória Histórica do Val do Límia vai continuar recuperando o passado que teimam em esconder, vai seguir na tarefa de honrar e homenagear todas as vítimas do franquismo e do nazismo da nossa comarca, em desmontar a impunidade criminal, em combater a falsa amnistia. Nom nos vam fazer retrocer, nom nos vam fazer calar!
Mas nom vamos desfalecer nem arrugar-nos até desvelar e encontrar todas as vítimas dos que tentárom frear a espiral dialética da história, esmagando e aniquilando sem compaixom os setores mais avançados dos de baixo.
Comprometemo-nos solenemente a seguir nesta luita pola verdade e contra a mentira, até o nosso último alento.
Viva o Sindicato Campesino de Souto!
Viva o Val do Límia antifascista!
Viva a Galiza antifascista!
Nom passarám!
Güimil, Val do Límia, 1 de agosto de 2020