Discurso de Carlos Morais na homenagem antifascista no Val do Límia

Por fim estamos aqui! Esta merecida e necessária homenagem aos melhores homens e mulheres do Val do Límia, que perdérom o mais prezado que possuiam -a sua vida-, por ter defendido a liberdade e a justiça social, tinha que ter sido celebrada há quarenta ou há trinta anos.

Umha complexa combinaçom de factores nom permitiu que esta demanda, que este sonho intensamente vivo no desacougante silêncio da intimidade de tantas famílias doridas e quebradas pola barbárie, tenha cristalizado até hoje, 14 de setembro de 2019. Mais vale tarde que nunca!

80 anos após a vitória fascista sobre as forças operárias e populares, que em 1931 iniciárom com o período republicano um processo de emancipaçom social e autodeterminaçom, derrotando os poderes reacionários da parasita oligarquia, da aristocracia, do clero e da casta militar articulados na monarquia bourbónica, estamos honrando os centos de vizinhos e vizinhas de Bande, de Entrimo, de Moinhos, de Lobeira e de Lóvios, assassinados, encarcerados, humilhados, saqueados, condenados ao ostracismo.

O lugar no que nos encontramos, a curva de Fontaboa, nom foi escolhido ao azar. Aqui, à beira deste regato, entre as aldeias de Nigueiroá e Xordos, sob a atenta olhada dos meridionais e majestuosos picos de Fontefria e as Gralheiras, fôrom executados polo sicariato falangista os dous primeiros antifascistas do Val do Límia dos que temos constância.

Sim, aqui, onde agora estamos, foi assassinado Juan Manuel Álvarez Álvarez. Era 29 de julho de 1936 quando possivelmente tem lugar o primeiro oprobrioso crime do franquismo na comarca. Conhecido como o “Noches”, era um labrego de 62 anos que se tinha significado por ter promovido o sindicalismo na sua aldeia natal de Nigueiroá. A sua lembrança ainda pervive entre os mais velhos do lugar.

Um dia depois, 30 de julho de 1936, neste passo estratégico, foi executado o jovem padeiro de Mexide Jenaro Alonso Santos. Tinha 28 anos quando o terrorismo azul descarregou sobre o seu corpo a fúria metálica dos que nom estavam dispostos a perder os seus privilégios.

O que até agora era um lugar da infâmia, converte-se num espaço de homenagem, lembrança e memória às vítimas do fascismo no Val do Límia.

Esta homenagem à geraçom heroica dos nossos avôs e dos nossos país, é umha dívida que o Val do Límia tinha contraído.

Com enorme satisfaçom iniciamos a restituiçom da dignidade, aplicamos justiça, verdade e reparaçom, perante o insultante silêncio imposto polos vencedores do golpe de estado de 18 de julho de 1936.

Resgatamos pois, do deliberado esquecimento, uns episódios históricos que truncárom violentamente o nosso passado mais recente, que seguem condicionando o presente e hipotecando o futuro

Hoje, aqui, neste belo recuncho do nosso Val do Límia, quebramos publicamente, a amnésia imposta polo franquismo e polo postfranquismo, que obrigou pola força das baionetas a aceitar a desmemória que só procurava, e procura, que um manto de esquecimento agoche tanto crime, tanta crueldade e tanto roubo de bens e propriedades, mas também de coraçons e de almas.

Dói imensamente contemplar como familiares de quem foi executado, familiares de encarcerados, de exiliados, de mulheres rapadas e violentadas, figérom táboa rasa do passado, aderírom à amnésia imposta, mesmo colaborando ativamente com o fascismo, e a partir de 1977 com os seus herdeiros, branqueados e mutados em democratas.

Nom foi fácil chegar até aqui. Mas podemos afirmar que o que até há um ano e meio nom passava de um sonho, hoje é umha realidade tangível em mais de sete toneladas do mesmo granito com o que construimos os castros e as nossas aldeias.

Os 25 nomes gravados polo Diego Currás neste imponente monólito, emergem do anonimato para trascender e transitar da obscuridade imposta, à luz que sirva de referente às novas geraçons.

Este menir do século XXI é um aturujo que deve chegar ao último recanto do Val do Límia. Simboliza a resistência milenária dos nossos antepassados querquennos contra o impêrio romano, os levantamentos e revoltas contra o poder medieval que derrubárom fortalezas, torres e castelos; a derrota infringida ao invasor francês na primeira década do século XIX, a firme vontade de quebrar as cadeias manifestada entre 1931 e 1936 por um, cada vez mais amplo, setor do povo trabalhador destas terras lavradas polo Límia; simboliza os que com coragem e decisom  organizárom umha das primeiras unidades guerrilheiras com base em Castro Laboreiro que operava nas beiras do velho Lethes, os que como o Avelino Pérez Rodríguez ou o Abilio Álvarez Bernardo combatérom a besta nazi-fascista nos campos de batalha europeus e fôrom exterminados nos campos de concentraçom do III Reich, a juventude que na década de sessenta e setenta se incorporou à luita clandestina contra a ditadura, os que hoje reclamam água limpa e poder viver com dignidade nestas terras.

Honramos sem complexos, timoratismos, nem ambiguidades tod@s aqueles vizinh@s que contribuírom para o desenvolvimento dos concelhos de Bande, Entrimo, Lobeira, Lóvios e Moinhos, da comarca do Val do Límia, a paliar o atraso e empobrecimento, que exercérom solidariedade e contribuírom para melhorar as condiçons de vida e a auto-estima dos setores mais humildes e oprimidos.

Nunca devemos esquecer que fôrom determinantes em implementar no seu espaço geográfico de atuaçom os direitos e liberdades individuais e coletivas, emanados dos avanços legais e jurídicos republicanos. Cumprírom um rol determinante na auto-organizaçom popular da época, promovendo o associacionismo agrário e operário, e os mecanismos de autodefesa frente aos abusos dos poderosos [Igreja, caciques, elites fidalgas].

Como homens e mulheres livres deste cantinho do sul da Gallaecia central que chamamos Galiza, situado entre as grandiosas serras do Larouco e do  Laboreiro, nom pararemos até sinalizar os lugares da infâmia que temos registados, e que se conservam na memória popular: o poço do Inferno, a corga da Videira, a Rola, touças de Sam Pedro de Moinhos …

Mas esta homenagem que hoje nos congrega, nom pode reduzir-se a um nostálgico e ritual grito antifascista.

Nós nem esquecemos nem perdoamos, exigimos que se restaure a dignidade de todas as vítimas do holocausto planificado, do extermínio iniciado no verao de 1936, e que nom finalizou com a morte do ditador, tal como o relato oficial nos quer fazer acreditar.

Na atualidade a ameaça fascista é umha realidade no nosso país, e em boa parte do continente européu e outras partes do globo.

Nom esqueçamos que a avassaladora hegemonia das forças reacionárias nas instituiçons municipais do Val do Límia, e do conjunto da província de Ourense, emana da limpeza política e ideológica de mais de 40 anos de franquismo. Investigar e estudar a brutalidade do passado, contribui para criar consciência, para ativar vontades, para articular rebeldias, para quebrar tanta resignaçom e conformismo paralisante.

O Comité pola Memória Histórica do Val do Límia vai continuar na árdua tarefa de recuperar o passado que teimam em esconder, vai seguir na tarefa de honrar e homenagear todas as vítimas do franquismo e do nazismo da nossa comarca, em desmontar a impunidade criminal, em combater a falsa amnistia. Nom nos vam fazer retroceder, nom nos vam fazer calar!

Ainda hoje nom sabemos exatamente quantas fôrom as vítimas dos esquadrons da morte da orgia de sangue e terror, desatada com a bençom das antigas famílias feudais e da igreja católica.

Num dia como hoje, de há exatamente 83 anos, era executado José Álvarez Fernández nas touças próximas à igreja paroquial de Sam Pedro de Moinho. Tinha 35 anos e era natural de Vilar de Cas.

Mas nom vamos desfalecer nem arrugar-nos até desvelar e encontrar todas as vítimas dos que tentárom frear a espiral dialética da história, esmagando e aniquilando sem compaixom os setores mais avançados dos de abaixo.

Comprometemo-nos solenemente a seguir nesta luita pola verdade e contra a mentira, até o nosso último alento.

Tal como afirmamos no manifesto fundacional de março de 2018 “Queremos honrar todos e todas aqueles que se implicárom com coragem e entusiasmo em superar o semifeudalismo e o obscurantismo imperante nas relaçons sociais, a essa geraçom de antifascistas [agraristas, galeguistas, republicanos, socialistas, anarquistas, comunistas, democratas], que fundando sindicatos campesinhos e abrindo Casas do Povo, contribuírom para dotar o povo trabalhador do Val da Límia de mecanismos de autodefesa frente os abusos dos poderosos, que desde bandeiras e projetos ideológicos plurais, convergiam na necessidade de avançar na construçom dumha terra de homens e mulheres livres e emancipadas”.

E a nossa luita nom se reduz a honrar e dignificar os detidos, as aldrajadas, os torturados, as humilhadas, as encarceradas, as violadas, todas aquelas famílias às que  truncárom o seu futuro, que sofrérom o saqueio dos seus bens, terras, gando e propriedades, mediante o roubo em forma de requisa, quem tivo que optar polo exílio primeiro e posteriormente pola emigraçom, para iniciar umha nova vida.

Também a nossa intençom é fazer entender que a vitória do fascismo provocou um enorme retrocesso nas condiçons de vida das imensas maiorias sociais, a perda dos direitos e liberdades conquistadas no breve quinquénio republicano.

Que existe um fio condutor entre a vitória fascista e a posterior destruçom planificada do nosso território, assulagando as melhores terras do val, embalsando o Límia com a construçom das Conchas em 1949, do Salas em 1971 e posteriormente do Lindoso em 1992.

Existe um fio condutor, invisível, mas real, entre a vitória do fascismo e a reflorestaçom colonial dos nossos montes com a plantaçom de coníferas e eucaliptos, a conseguinte praga dos incêndios, e a proibiçom aos ganadeiros dos aproveitamentos comunais do monte herdados da Gallaecia sueva.

A vitória do fascismo é responsável polas novas vagas de emigraçom e do declive demográfico que está desabitando esta imensa veiga de canastros e leiras abandonadas, a ruína do património arquitetónico e etnográfico das aldeias sem a alegria rebuldeira de nenas e nenos, lentamente devoradas polos codesos e as silveiras.

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Alertamos de que se nom somos capaces coletivamente de levantar um poderoso muro antifascista, a ameaça que nos derrotou em 1936 pode voltar a esmagar-nos.

Nom podemos olhar para outro lado como se nada se passasse, devemos denunciar o branqueamento do franquismo em curso, e a deriva autoritária do regime atual, continuaçom dos 40 anos de ditadura

Nom podemos permitir que os herdeiros de um criminal como o Fragueira, cujo nome ainda estremece muita gente, se burlem, banalicem ou subestimem os devastadores efeitos da repressom sobre o mais lúcido do nosso povo.

Nom quigera finalizar, sem lembrar a minha avó Rosa, quem me transmitiu a melhor memória antifascista das terras do Milho. A sua energia pervive neste ato.

Mas também Paul Féron, filho da Eudosia Lorenzo Diz, cuja perserverança em conhecer as causas do exílio forçado da sua família, som um exemplo a seguir na batalha de reparar a memória das vítimas.

E a família Rodríguez Valencia, de Güimil, o José Benito, o Manuel e a Píli, netos de Benito Valencia Bouza, membro da equipa de governo municipal de Moinhos, jovem de 26 anos, enquadrado na Frente Popular, executado na ponte do Boado, em Ginzo de Límia, 1 de agosto de 1936. Eles três representam o orgulho por manter vivo e com a testa alta a memória e o legado do seu avó, um dos heróis do Val do Límia.

Honra e glória às vítimas do fascismo e o nazismo!

Viva o Val do Límia antifascista!

Viva Galiza antifascista!

Nom passarám!

 

 

Setembro 16, 2019