Manifesto fundacional do CMHVL

Na tarde de 3 de março de 2018, foi constituído à beira do rio que nos define e carateriza como filhos e filhas desta regiom meridional da Galiza, o Comité pola Memória Histórica do Val do Límia.

Nascemos com o intuito de contribuirmos a resgatar do deliberado esquecimento uns episódios históricos que truncárom violentamemnte o nosso passado mais recente, que seguem condicionando o presente e hipotecando o futuro.

Nom pretendemos procurar vingança, nem atuamos por resentimento. Mas tampouco nos somamos ao hipócrita coro da desmemória, que pretendendo fazér tábua rasa do passado oculta as conquistas sociais, democráticas, feministas, culturais, nacionais, populares, abertas em abril de 1931, e brutalmente esmagadas no fatídico verao de 1936 por um golpe militar fascista.

Nom buscamos o aplauso dos herdeiros políticos do franquismo empoleirados nas instituiçons, nem dos interesses económicos que representam. Sabemos e denunciaremos que reiteradamente vulneram as tímidas medidas legislativas da memória histórica aprovadas na primeira década deste século.

Queremos que todo aquela ou aquel, que poda contribuir com o seu testemunho, informaçom ou as lembranças transmitidas no seio da família, colaborem connosco nesta necessária recuperaçom coletiva, evitando assim seguir perpetuando a impunidade da barbárie.

Passárom oitenta anos, mas contrariamente ao que nos quer impor o relato único do regime continuador do franquismo, as feridas nom estám fechadas. Seguem supurando perante a falta de reconhecimento e de condena institucional da desfeita, de reparaçom política e moral, perante décadas de lágrimas, dor e sofrimento por saber onde estám os familiares desaparecidos. Seguem supurando perante tanta burla e manipulaçom oculta sob a falsa amnésia imposta na reforma política da restauraçom bourbónica.

Queremos que as novas geraçons que habitam e irám nascendo entre os imponentes Larouco e Laboreiro, continuadores da estirpe da imensa tribu fundacional querquenna, que povoava as fértis ribeiras da veiga alimentada polo que o invasor romano denominava rio Lethes, e que hoje conhecemos como Límia, saibam que centenares de vizinhas e vizinhos padecérom nas suas carnes a barbárie fascista.

Som polo menos 13 os naturais da Terra do Milho que abranguem os atuais concelhos de Bande, Lobeira, Moinhos, Lóvios e Entrimo, executados com apoio da guarda civil polos esquadrons da morte, brigadas negras, milícias, paramilitares e sicários falangistas, que como magistralmente denunciou Castelao nos seus desenhos inçarom prematuramente de negro inverno o nosso país.

Fórom centenares @s detid@s, aldrajad@s, torturad@s, humilhad@s, encarcerad@s, violadas, @s que sofrérom o saqueio dos seus bens, terras, gando e propriedades, mediante o roubo em forma de requisa.

Fôrom muit@s @s que vírom truncada as suas vidas e os seus sonhos -dos que de alguns já nada sabemos-, os que tivérom que deixá-lo todo procurando no exílio nom perecer de um tiro no poço do Inferno, na Rola, na curva de Fontalboa, no Furriolo ou em qualquer cuneta e encruzilhada de caminhos, nas corredoiras entre carvalhos, bidueiros e castanheiros destas terras bravas.

A impunidade criminal daqueles dias, que nem respeitárom as mais profundas crenças lavradas nos santuários e ermidas do Viso, o Banho e a Clamadoira, nom se podem perder na noite dos tempos.

O invasor romano há mais de 2.000 anos temia sulcar as transparentes águas do Límia convencido que ao vadeá-las perderia a memória. E hoje, os herdeiros políticos do falangismo e das quatro décadas de ditadura, pretendem que sigamos instalados no esquecimento da resignaçom e o silêncio.

Por higiene democrática, pola memória de boa parte das melhores geraçons dos nossos recentes antepassados, que mediante a auto-organizaçom campesinha, operária e popular combatérom o atraso, a ignoráncia, a fame e o caciquismo, modernizando o campo e as relaçons laborais, introduzindo as mais avançadas ideias de justiça, igualdade e liberdade, temos que recuperar o passado que nos seguem querendo furtar.

Eis polo que queremos recuperar a história que ainda segue viva na memória popular, mas que necessita umha reconstruçom rigorosa e sistemática para que fique registrada em tinta e na rede.

Queremos honrar a todos e todas aqueles que se implicárom com coragem e entusiasmo em superar o semifeudalismo e o osbcurantimo imperante nas relaçons sociais, a essa geraçom de antifascistas [agraristas, galeguistas, republicanos, socialistas, anarquistas, comunistas, democratas], que fundando sindicatos campesinhos e abrindo Casas do Povo, contribuírom a dotar o povo trabalhador do Val da Límia de mecanismos de autodefesa frente os abusos dos poderosos, que desde bandeiras e projetos ideológicos plurais, convergiam na necessidade de avançar na construçom dumha terra de homens e mulhers livres e emancipadas.

Sabemos que é umha tarefa complexa e árdua, um desafio nom exento de tensom e crispaçom, mas sem o qual nunca poderemos passar página.

Porque daqueles pos venhem estas lamas. A vitória do fascismo provocou um enorme retrocesso nas condiçons de vida das imensa maiorias sociais, a perda dos direitos e liberdades conquistadas.

A vitória do fascismo provocou a destruçom planificada do nosso território, assulagando as melhores terras do val, embalsando o Límia com a construçom das Conchas em 1949, do Salas em 1971 e posteriormente de Lindoso em 1992.

A vitória do fascismo acelerou e aprofundou na reflorestaçom dos nossos montes com a plantaçom de pinheiros, e a conseguinte praga dos incêndios. Proibindo aos ganadeiros os aproveitamentos comunais do monte herdados da Gallaecia sueva; ergo, inducindo-os a umha emigraçom massiva.

A vitória do fascismo é responsável das novas oleadas de emigraçom e do declive demográfico que está desabitando esta imensa veiga de canastros e leiras abandonadas, a ruína do património arquitetónico e etnográfico das aldeias sem nenas devoradas polas silveiras.

Quando a deriva autoritária do regime de 78 já nom se pode maquilhar, quando o fantasma do neofascismo percorre os poderes fáticos do Reino de Espanha, é hora de iniciarmos de forma sistemática umha tarefa que tinha que ter sido realizada há várias décadas atrás.

Somos perserverantes, temos a força dos Picos de Fontefria e da corga da Fecha, a firmeza dos bolos graníticos das nossa serras e montes, a diversidade cromática das nosssas matogueiras de uzes, carqueja, gestas e tojos, e por isso enxergamos esta iniciativa que só atingira os seus objetivos se contamos com a tua colaboraçom.

Val do Límia, Galiza, março de 2018